Prólogo
- Chegamos senhorita.- Ele aponta. -Velório de Santa
Luzia.-eu me remexi em meu assento.
-Tem certeza que é aqui, senhor?-Falei olhando para o
papel e para o estabelecimento que o motorista apontava. O local era de um cinza
fosco, sem placa, apenas com meia dúzia de pessoas com olhos vermelhos, fumando,
na calçada.
Não avistei nenhum
conhecido, alguém que confirmasse ser aquele o lugar certo. Só me faltava me
perder em São Paulo, pois as poucas vezes que estive aqui foi acompanhada de
minha amiga. Agora estava ali com o bilhete em mãos, escrito pela governanta de
Raquel, uma senhora já de idade um pouco avançada.
Encaro o taxista de volta, que está resmungando pela
minha desconfiança.
- Ok, eu vou descer, mas me dê o número do seu telefone
para o caso de eu precisar ir embora as pressas.
- Mal chegou ao velório e já pensa em ir embora? Não quer
que eu te espere ver o defunto, então? - falou me entregando seu cartão.
- Não, pode ir. Eu ligo, se a caso não conseguir uma carona
... – Estendo o dinheiro da corrida, e recebo três moedas de troco.
Desço ajeitando os cabelos, coloco meus óculos escuros,
sinto todos os olhos se erguerem em
minha direção. São homens encostados na parede, conversando baixinho e fazendo
arcos de fumaça com seus cigarros fedidos. Continuo caminhando sentindo os
olhares aumentando de curiosidade pelas minhas costas. Ao passar pela porta de
vidro quase sou derrubada por crianças correndo descontraídas, brincando de
pega-pega, e as mães desesperadas pedindo que ficassem em silêncio e
respeitasse o local.
Passo a passo, sigo corredor adentro a procura da sala
correta, ou de algum conhecido que possa
me levar até onde minha amiga está e assim poder acalentá-la nesse momento. O
velório é maior do que imaginava e o corredor de salas não tem fim. Algumas
portas estão fechadas, e outras exalam um cheiro tão forte de cravos, que dá
vontade de espirrar.
- Não é esse. – falo baixinho ao espichar meu pescoço
para sala do número 11 e não avistar
Raquel. Ando um pouco mais e vejo que na sala 15 também tem outro corpo sendo
velado, mas que não há quase ninguém. Pude observar que se tratava de uma
mulher de cabelos vermelhos sobre seios fartos. Ao sair por aquela porta, noto
que em cima dela contém uma pequena placa com o nome da falecida. Isso me
facilitaria muito, nas salas seguintes.
Na penúltima sala do lado esquerdo, pessoas de pé
encostadas na parede sinalizam que é lá onde eu devo estar. Apresso os passos,
segurando os óculos escuros e minha
bolsa preta no ombro. Escuto alguns
gritos de dores , uns suspiros abafados
no banheiro, gente sendo acudida no cômodo ao lado, uma espécie de cozinha. Um cheiro forte de chá de erva cidreira,
pessoas abanando outras estiradas nas cadeiras do corredor, fazendo vento com a
carteira, com o jornal da semana passada, para que acordassem, ou que
respirassem melhor...
Ao me aproximar mais da porta, me deparo com duas velhas senhoras
de ti-ti-ti. Uma vestia-se toda de preto, com um leque afastando os mosquitos
do seu rosto enrugado. Seu cabelo branco estava preso em uma trança, escondida-a por um
véu de igreja. E suas unhas e boca
pintadas de roxo. A outra mulher aparentava ser mais nova, mas ainda
assim com certa idade que merecia respeito. Seus cabelos eram pretos mas
notavelmente, pintados quinzenalmente, e falhas no cabelo indicavam calvície. Vestia
uma blusa de lã branca e uma russa calça de moletom.
Peço licença,a algumas pessoas e os gritos aumentam no
interior da sala, choros escandalosos invadem meus ouvidos,e um senhor muito alto tampa a minha visão e
impede minha passagem.
- Não dá para você entrar agora , pois o padre está fazendo uma oração, só permitem familiares lá dentro. Acomode-se.
- Não dá para você entrar agora , pois o padre está fazendo uma oração, só permitem familiares lá dentro. Acomode-se.
Sou empurrada grosseiramente pela senhorinha de preto, provavelmente
esposa do homem mal educado. Encosto na parede perto de uma janelinha, para
respirar melhor. O ambiente estava entupido de flores, o cheiro se tornava cada
minuto mais insuportável. Tentei me concentrar e ouvir as orações, todavia, as
velhas mexeriqueiras continuavam o ti-ti-ti.
- Dizem que ele está desolado e pegou o primeiro avião...
- O enterro será logo no finzinho da tarde. Eu sinto
muito dizer, mas acho que ele não chegará em tempo.
- Será? Judiação! Pobre criatura, não suportará tanto
remorso.
Ali era local para falarem da vida de alguém? Eu não
sabia de quem elas falavam , porém imaginei que seria algum parente do falecido
e isso não parecia justo. Já não bastava perder alguém querido, que ainda
precisasse estar na boca de duas velhas aposentadas?
- Ah calem a boca! – Explodi arrancando meus óculos.- Aqui
não é lugar de fazer fofocas! Vocês deveriam estar rezando pela alma do rapaz.-
Cutuco com certa brutalidade a mesma mulher que minutos antes me empurrara.
Não demorou muito a oração acabou. Pessoas saíam aos gritos,
sendo amparadas por outras. Tentei, mas não consegui dar um passo, pois as
pessoas me levavam para trás. Encosto agora na soleira da porta, espero
pacientemente de olhos fechados, enquanto segurava a respiração. Quando mais um
mal educado desloca meu ombro, jogando-me para dentro da saleta,abro os olhos, vejo-a
destruída, corro para abraçá-la forte.
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